terça-feira, 3 de abril de 2007

Pescadores penam com desastre ambiental



Thiago Fernandes

"Na semana passada, o rapaz do açougue reforçou o estoque de carne. Eu pensei que era uma boa idéia, já que o pessoal está evitando o peixe por causa da contaminação. Mas não vendeu nada, porque ninguém tem dinheiro nem para comprar comida aqui". A declaração do pescador Pedro Celestino Soares reflete o impacto da queda na venda do pescado no município de Saubara, a 110 km de Salvador.

A cidade é a mais afetada pelo desastre ambiental que resultou na morte de 50 toneladas de peixes nos últimos 15 dias na região da Baía de Todos os Santos. Dos 12 mil habitantes da cidade, cerca de 3 mil vive exclusivamente da pesca, que está suspensa desde o dia 17 de março. A situação levou o município a decretar estado de emergência na última sexta-feira, juntamente com Santo Amaro e Madre de Deus. O problema também foi registrado em Salinas das Margaridas.

De acordo com pescadores de Saubara, essa é a pior crise já enfrentada no município. Pescador há 50 anos, Everaldo Conceição, de 59, conta que nos últimos 15 dias a única renda que obteve foi de R$ 50 pelo serviço de limpeza de um terreno baldio na cidade. "Não sei mais o que fazer. A situação está muito difícil para todo mundo. Ninguém tem dinheiro para nada", lamenta. Em sua casa, além dele e da esposa, moram mais 11 filhos e quatro netos. Todos os que estão em idade de trabalhar são pescadores. "Está muito complicado. Eu aceito qualquer serviço para poder levar comida para casa", afirma. Para não passar fome, Conceição admite estar se alimentando de peixes que, segundo ele, não estariam contaminados. "Não dá para vender, mas nós sabemos quais são os que foram afetados pelo problema. Morrer de fome é que não dá, não é mesmo?", questiona.

Conceição é um dos que aguardavam nesta terça-feira receber a senha para receber uma das 2 mil cestas básicas encaminhadas para o município pelo Governo Federal. A distribuição deverá começar nesta quarta. A maior parte das pessoas na fila em frente à sede da colônia de pescadores do município, no entanto, eram esposas dos pescadores. É o caso da dona-de casa Genoveva Gonçalves, que estava há mais de uma hora na fila aguardando pela senha. "A gente não tem outra opção. Está todo mundo esperando essa cesta, porque tem gente que não tem mais comida para colocar no fogo", relata.

Na cidade, a maior parte dos peixes mortos apareceu na praia do distrito de Cabuçu, a 6 km da sede do município. Para Fábio Cruz, proprietário de uma barraca de praia, a situação agravou a queda do turismo no local. "Nós aqui dependemos dos visitantes para sobreviver. São eles que trazem o dinheiro que sustenta a vila", afirma. Em sua barraca, Cruz costumava vender em média 20 engradados de cerveja aos domingos. Neste último fim de semana, vendeu duas garrafas. "A maioria dos barraqueiros aqui não estão nem abrindo a barraca", conta.

Segundo os pescadores da região, o momento crítico da mortandade de peixes já passou. "Na semana passada, não dava nem para ver a areia da praia de tanto peixe morto que tinha aqui", conta o pescador Paulo Benedito dos Santos. "Agora, quem vai para o mar até que consegue alguma coisa, mas só pega para comer, porque ninguém quer comprar sem ter a certeza de que o peixe está bom", complementa. Segundo ele, alguns barcos chegavam a tirar do mar mais de uma tonelada de peixe antes do desastre. "Agora, o jeito é esperar pela ajuda do governo", diz.

Para o diretor da colônia de pesca da cidade, Michel Rodrigues, as cestas básicas são necessárias, mas a medida está longe de resolver o problema. "Ninguém aqui quer ficar dependendo da ajuda dos outros para sobreviver. Todos querem trabalhar, mas não têm condições no momento. E além da alimentação, há o problema dos outros compromissos, como as contas de água e luz ", diz. Para minimizar o caso, o Centro de Recursos Ambientais (CRA) negocia com a Coelba e a Embasa a anistia das contas de luz e água dos moradores dos locais afetados pelo problema, mas as empresas ainda não se posicionaram sobre a solicitação.

Análises

Nesta terça-feira, técnicos do setor de crimes contra o meio ambiente da Polícia Técnica estiveram na praia de Cabuçu para recolher amostras de peixes frescos para estudo anátomo-patológico. De acordo com a coordenadora do setor, Daniela Falcão, a nova análise vai procurar resíduos de microorganismos nos animais que indiquem a presença anormal de algas no mar, a chamada maré vermelha.

Daniela explica que esta deve ser a causa provável da morte dos peixes, ao se analisar a forma como os peixes morreram. "Essas algas liberam na água uma toxina que mata os peixes de uma forma aguda, ou seja, uma grande quantidade em um curto espaço de tempo", afirma. De acordo com a coordenadora, os casos de contaminação por produtos químicos normalmente provocam a morte contínua e menos intensa dos animais. "Nas primeiras análises da água, dos sedimentos e dos peixes não encontramos nada que indicasse a causa da morte em massa, mas também não descartamos nenhuma hipótese", diz.

Outras análises estão a cargo do Centro de Recursos Ambientais (CRA), que solicitou um prazo de 15 dias para apresentar os resultados das análises para busca de agentes de contaminação. O órgão informou, por meio de sua assessoria de imprensa que, depois do desastre, vistoriou todas as empresas localizadas no entorno da Baía, mas que não encontrou nenhum foco de contaminação.
27/03/2007 - 18:09



Fonte:www.atarde.com.br

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